O novo nerd: de excluído para excludente

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Por muito tempo foram excluídos ao ponto de esconderem sua paixão por heróis e tudo aquilo que acompanhava o universo do entretenimento, do qual o termo nerd, usado de forma pejorativa, fomentava ainda mais o estereótipo do garoto(a) tímido(a) e reservado(a), muito diferente do que ocorre hoje.

Essa mudança é graças ao alto investimento do tipo de narrativa em veículos massivos, como cinema e a televisão, fazendo com que a palavra nerd adquira novos significados e até mesmo um status moderno para quem acompanha essa “onda”. O que não é problema, certo?

Pois bem, ao fazermos uma rápida pesquisa nas redes sociais, dando a devida atenção aos debates gerados nas caixas de comentário de notícias referentes a esse núcleo (o dos heróis, por exemplo), nos deparamos com algo similar ou até mesmo pior que os comentários acalorados referentes às disputas de futebol.

Recheados dos mais profundos preconceitos como o machismo, racismo e homofobia, que são destilados continuamente na internet, uma grande parcela do “Novo Nerd” utiliza como camuflagem para o seu preconceito a mais comum desculpa para discordar de alguma mudança ou adaptação: “isso não está fiel aos quadrinhos”.

“Nossa, mas como assim, se eu não concordar por adaptarem uma personagem que é laranja nas HQ’s por uma atriz negra, vou estar sendo racista?”.

Não, isso não é uma generalização, claro que você pode discordar e se posicionar, mas sempre lembrando dos limites éticos e morais na sua opinião. E também está longe desse texto querer limitar ou ditar como todos devem reagir, o que será comentado aqui é como pessoas que se consideram nerds, cercadas de mensagens implícitas ou explicitas sobre esses temas nos quadrinhos pensarem de maneira extremamente oposta.

Ao nos aprofundarmos um pouco mais em alguns títulos, como X-Men, basicamente estaremos lendo sobre minorias perseguidas, hostilizadas e privadas de seus direitos simplesmente por não se encaixarem no padrão social, o que fez deles um sucesso absoluto. Claro que não pelo fato de terem poderes e sim por possivelmente representar você, que está lendo isso agora.

Mas o que acontece se um dos personagens mais antigos e famosos desse grupo, inicialmente formado por cinco jovens brancos e héteros tiver sua sexualidade modificada?

Edição #40 de Novíssimos X-Men (Foto: reprodução)

Com tudo que já foi citado acima acredito que não será necessário pensar muito sobre qual foi a reação com essa mudança, predominando o termo lacração, agregar público e a falta de criatividade para novas narrativas. Mas se esse sempre foi um grupo-metáfora que representa minorias, tendo nascido à base dos discursos contra a segregação, essa escolha já não seria até mesmo tardia? Algo não te faz pensar que se os personagens DC e da Marvel fossem criados hoje, com toda certeza eles não seriam majoritariamente brancos, héteros e Americanos? Isso sem nem precisarmos entrar na questão de criar um novo personagem “assim”.

“Entendo, mas agora por todo esse mi-mi-mi, têm que ter cotas até nos filmes e séries, perde toda a essência do personagem. eu não quero ver uma Estelar negra com roupa de cafetina”.

Definimos essência pelos ideais, atitudes, comportamento e afins, então ela seria o “quem”, que não é encontrado no exemplo, predominando o “como”, sua imagem.

Adaptada usando como material fonte os quadrinhos de George Peres, com uma personalidade mais agressiva e adulta do que ficou muito conhecida pelos desenhos animados, Anna Diop deu vida a personagem de forma coesa o suficiente para agradar os leitores dessa fase, no entanto o tom de sua pele foi um problema antes mesmo dos episódios serem disponíveis ao público, com a atriz sendo atacada até em suas redes sociais, o mesmo ocorreu com a também atriz Zazie Beetz, interprete da Dominó em Deadpool 2.

Titans estreou em 12 de outubro de 2018 (Foto: reprodução)

Certo, já entendemos que também mudar a etnia de um personagem é um problema de grandes proporções, menos quando eles são rosa (Blink, nas versões cinematográfica e televisiva), verde (Mutano – Titãs), azul (Wanessa – Deapool), purpura (Killgrave – Jessica Jones) e interpretados por atores brancos.

Irônico que para um grupo que sempre utilizou esse meio e suas narrativas como um escape, muitas vezes gerado pelo bullying, venha a se comportar de forma tão excludente, como se houvesse uma pirâmide representativa de poder dentro do grupo oprimido. E mesmo que hoje tenhamos um filme de herói negro, com um elenco majoritariamente negro, conquistando espaço até mesmo no Oscar, os méritos de sua produção e seu poder em fazer com que crianças finalmente se vejam em uma grande produção, pode cair por terra e ser englobado no “politicamente correto, por isso todo o barulho”.

Quantas vezes não se sentiu representado pelo Peter Parker, Clark Kent, Diana Prince e a Jean Grey e achou que realmente fazia parte de algo incrível, que não estava sozinho. Então por que vetar que essa nova geração tenha Kamalas, Miles, Bobs ou até mesmo Estelares Negras, dessa vez não escondidos por de trás de metáforas e sim protagonizando HQs, filmes e series.

Não estou dizendo que alguém que se considere “nerd” está automaticamente livre de qualquer um desses preconceitos, mas com tantos personagens como os X-men, nos ensinando o respeito e a diversidade e Superman, a esperança, pensar de tal maneira só prova que não entendeu absolutamente nada, usando esse meio apenas como entretenimento rápido e barato, o que não é.

(Se caso tenha dúvidas de tudo escrito até aqui, abra seu facebook e procure uma notícia do gênero…)

Wellington Torres
Wellington Torreshttp://bookstimebrasil.com.br
É intrínseco no homem o desejo de realizar mudanças, e é para concluir essa ação que me faço jornalista todos os dias.

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