Resenha de As Águas-vivas Não Sabem de Si, de Aline Valek

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Mariana tem 21 anos e não consegue ficar parada. Ela muda de cidade, de trabalho, de relacionamentos com a mesma facilidade com que troca de roupa. Não por inquietação romântica, mas por algo mais profundo – uma solidão que a persegue independente de onde esteja ou com quem esteja. Mas será que fugir de si mesma é realmente uma solução?


Editora Rocco Resenha de As Águas-vivas Não Sabem de Si, de Aline Valek
280 Páginas

Sinopse:

A três mil metros de profundidade, o oceano é um mundo sem luz, cheio das mais curiosas formas de vida e em sua maior parte inexplorado para quem vive na superfície. É nesse ambiente que mergulha Corina, flutuando no escuro como um astronauta no espaço, do jeito que gosta: cercada de água. Mas também perseguida pela sensação de que não deveria estar ali. Está sendo observada?

Corina faz parte de uma equipe que pesquisa os arredores de uma zona hidrotermal com o objetivo de testar trajes especiais de mergulho. Cinco pessoas trabalhando isoladas, da superfície e umas das outras, numa estação a trezentos metros de profundidade.

Como o abismo diante delas, escuro e insondável, cada uma dessas pessoas tem algo a esconder. Incapaz de afogar uma doença que pode pôr tudo a perder, Corina se vê obrigada a enfrentar seus dilemas e os dos colegas, em uma expedição liderada por um cientista com uma obsessão: encontrar inteligência no fundo do oceano.


As Águas-vivas Não Sabem de Si é o romance de estreia da brasileira Aline Valek acompanha Mariana em sua jornada errática pelo Brasil. Ela trabalha em call centers, hostels, qualquer lugar que aceite sua presença temporária. Faz amizades superficiais, namora sem se entregar de verdade, existe sem realmente viver. A narrativa é introspectiva, mergulhando fundo nos pensamentos da protagonista que tenta entender por que não consegue se conectar com nada nem ninguém.

Valek escreve com uma singeleza impressionante. A prosa é despojada, quase minimalista, sem firulas ou metáforas rebuscadas. Essa simplicidade não é fraqueza – é escolha deliberada. A autora retrata solidão, impulsividade e introspecção da forma como realmente se manifestam: sem drama exagerado, sem grandes declarações, apenas no silêncio incômodo de quem existe à deriva.

O título é perfeito. Águas-vivas flutuam ao sabor das correntes, sem controle sobre seu próprio destino, transparentes e quase invisíveis. Mariana é exatamente assim – deixando a vida levá-la, sem raízes, sem ancoragem. A metáfora permeia todo o livro com delicadeza.

Porém, a escolha de Valek de não investir em carisma dos personagens pode tornar a leitura árida. Mariana não é especialmente cativante. Ela não tem grandes virtudes que a tornem admirável, nem defeitos tão interessantes que a tornem fascinante. É propositalmente comum, mediana, apagada. E isso, embora realista e coerente com os temas do livro, trava o ritmo em vários momentos. Há passagens em que acompanhar seus pensamentos circulares se torna cansativo.

As profundezas da imaginação » Avoador

Os personagens secundários sofrem do mesmo problema. Aparecem, interagem brevemente com Mariana, desaparecem. Ninguém deixa marca forte o suficiente para que o leitor se importe verdadeiramente. É uma leitura que exige paciência e disposição para aceitar protagonistas pouco carismáticos.

O final deixa mistérios soltos – de onde vem as criaturas observadoras? O que vai acontecer com a tripulação? Valek não amarra todas as pontas, não oferece resoluções definitivas ou epifanias transformadoras. E talvez seja justamente essa a questão: solidão não tem solução fácil, impulsividade não se resolve com um momento de clareza, e às vezes simplesmente continuamos à deriva…

As Águas-vivas Não Sabem de Si não é um livro fácil. Não é para quem busca aventuras emocionantes ou personagens carismáticos que conquistam desde a primeira página. É para quem tem paciência com narrativas introspectivas, quem aprecia singeleza literária, quem aceita que nem toda história precisa de respostas claras. Aline Valek estreia na literatura com uma obra honesta sobre temas difíceis, escrita com maturidade impressionante. Pode incomodar, pode travar, mas certamente não deixa indiferente.

Caíque Apolinário
Caíque Apolináriohttp://bookstimebrasil.com.br
(elu/delu - ele/dele) Escritor de quatro livros de ficção cientifica e host de alguns podcasts do portal. Viciado em café, multi tarefas e o suporte de toda a equipe.

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